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O resgate do afeto após a pandemia

Por Andrea Ladislau

Muitas evidências sinalizam que o mundo e o homem não serão os mesmos após a Covid-19. O vírus virou o epicentro e nos igualou. Dentro do caos constatamos o que sempre soubemos, mas não valorizávamos, até sermos apresentados a ele: somos seres finitos e pequenos. Limitados na autossuficiência.

A pandemia potencializou nossas fragilidades e reforçou a dependência do outro. Hoje, vivendo em isolamento, estamos saudosos dos abraços, dos beijos, do carinho e da aproximação calorosa que sempre foi nossa marca, enquanto seres sociáveis. Somos afetuosos e criados para a conexão. Estamos reaprendendo, forçadamente, a nos conectar com o mundo pelas redes. Buscando a proximidade virtual com os que amamos através das telas. Sim, é um teste à nossa intimidade, trazendo profunda alteração das relações humanas. Gestos tão familiares, como um aperto de mão ou um beijo no rosto, tornaram-se obsoletos e hoje são condenados por serem potenciais condutores do tão temido vírus.

O Corona criou novos modelos de cumprimento: toques de cotovelo e acenos de longe. Fabricou personagens paramentados para uma guerra, com máscaras, luvas e armados de potes de álcool em gel. Aliás, este item tornou-se protagonista da prevenção e do cuidado, assim como a lavagem das mãos que deve durar o tempo de dois "parabéns a você " inteiros. Marcas profundas deixadas nas pessoas em todo o mundo. No Irã, por exemplo, o lema atual é: "Não aperto sua mão porque te amo".

Não tenho idéia como o mundo será após a pandemia.  Ninguém tem. Mas fortes indícios levam a crer que o toque não será o mesmo. A relação interpessoal não será a mesma. O diálogo com a natureza também será modificado. A valorização em geral, certamente, sofrerá mudanças profundas, pois os pequenos detalhes passarão a ser mais perceptíveis. Poderemos valorizar mais o que antes não tinha importância.

Enfim, apesar de amarmos a proximidade e o contato humano, a pandemia veio para mostrar que alguns resgates estão sendo feitos e, de forma necessária, tirando o homem de sua zona de conforto. Resta saber se quando tudo isso passar, sairemos mais humanos do que quando tudo começou. Ao experimentarmos a sensação, mesmo que inconsciente, da finitude e da perda do mundo, somos levados a rever nosso papel no universo. E é essa reflexão que irá nortear nossos próximos passos e fortalecer hábitos e mudanças que poderão ser corriqueiras e normais às gerações futuras. Gerações que encontrarão nos livros de história a Covid-19 como epicentro do marco das transformações de toda uma humanidade.

Imagem: Folha de Ribeirão Pires

Andrea Ladislau

Psicanalista

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