Esporte

União além das quatro linhas

Com amor a camisa, o Esporte Clube União dá exemplo dentro e fora de campo de como ser um grupo pautado pelo respeito e a amizade

Desde a fundação, o União é reconhecido pela amizade entre os membros do grupo

Imagem:Thainá Maria

Por Thainá Maria

Companheirismo. Reciprocidade. Amor. Essas são características essenciais na formação de uma família. Mas para este caso, em especial, acrescenta-se o futebol de várzea como elemento principal. Um instrumento capaz de reunir dirigentes, comissão técnica, jogadores e torcedores tornando-os parte importante de um clube – uma verdadeira família.

Mas na várzea nem tudo funciona desta maneira, tendo em vista a profissionalização da modalidade amadora – que faz com que alguns de seus adeptos caminhem mais em busca de interesses próprios do que pelo bem comum do time em que atuam –, no entanto, sempre há exceções como no caso desse grupo que ainda vive a verdadeira essência do futebol: o amor a camisa.

Um amor que nem mesmo quem faz parte sabe explicar. Um amor que transborda pelos olhos do atual presidente Gilberto Pereira Cabral, mais conhecido como Giba, quando perguntado sobre o que o clube representa para si. Um amor que faz seus integrantes saírem de cidades vizinhas com destino à Ribeirão Pires despidos de vaidades, egoísmos ou quaisquer interesses secundários. Um amor sustentado pela união, ou melhor, pelo Esporte Clube União.

Fundado em 1990 por moradores do Jardim Luzo, em Ribeirão Pires, o União é um time que se destaca não só por seus jogadores talentosos, mas também por utilizar um método que, hoje em dia, quase não é utilizado pela maioria dos clubes – a amizade.“ Não podemos tirar do nosso bolso, gastar 3 mil, 4 mil reais para pagar os jogadores. Então, a gente faz a nossa festa na amizade, e o jogador gosta. Se a gente puder continuar assim vai ser ótimo”, diz o diretor do clube Léo França.

E é assim, alimentado pela amizade, que o União consegue atrair pessoas dispostas a doar um pouco de seu tempo desde a sua fundação – idealizada por José Aires de Lima devido a uma rivalidade entre duas ruas do mesmo bairro – até os dias de hoje. O que Seu Aires não deve ter imaginado é que, além dar nome ao time, a palavra União seria vivenciada em seu sentido mais genuíno por todos que integraram o grupo ao longo de quase 30 anos de história.

Obstáculos

O União sempre esteve entre os destaques das competições pelas quais participava, chegando a figurar entre os 16 melhores do Grande ABC. Mas por conta de uma punição, aplicada em 2016, o clube viveu um dos momentos mais dramáticos de sua história – o rebaixamento.

Um mal entendido por conta de uma foto que seria publicada na Folha resultou na aplicação de uma multa e a perda de três pontos , que resultaram na queda da Especial para a 1ª Divisão. “Meu sobrinho de 13 anos estava em campo com a roupa do União para tirar a foto que seria enviada para o pai dele, na Bahia”, conta Giba. “Ele ficou no banco de reservas, e o mesário achou que a gente estava irregular porque o nome dele não estava na lista e colocou isso na súmula.”

A partir disso, o elenco considerado promissor para a temporada de 2016 não conseguiu se equilibrar e recuperar os pontos perdidos que garantiriam a permanência na principal competição. “Não teve conversa, não teve explicação. Nós fomos punidos e a foto nem chegou a sair no jornal”, diz o presidente – ainda ressentido pelo ocorrido há três anos.

A expectativa da diretoria era de que o União retornasse à elite da várzea logo no primeiro disputando a 1ª Divisão. No entanto, o resultado previsto acabou adiado por dois anos, após as eliminações nas quartas de final para o Olaria e o Vila Bonita – as equipes campeãs de 2017 e 2018.

Superação

Com a chegada da temporada 2019, o sentimento era de que esse seria o ano do União - ao menos tinha que ser. E foi. Com um planejamento bem elaborado pela diretoria e com a chegada de reforços de peso, o clube conseguiu o desejado acesso à Divisão Especial e sagrou-se campeão com uma campanha que rendeu inúmeros prêmios individuais aos jogadores.

Parte dos integrantes que chegaram para agregar ao grupo vieram por meio dos esforços de Gustavo Pereira Cabral, um jovem que, ao ouvir falar do clube do coração, transmite por meio de um sorriso verdadeiro todo seu respeito e admiração. Atual diretor de esportes, o jovem afirma que parte de sua vida se resume ao clube. “Quer encontrar o Gustavo de domingo? é só ir para o jogo do União”, diz em meio a sorrisos de satisfação.

As habilidades de Gustavo não se restringem apenas aos trabalhos como diretor. Ele também é um dos zagueiros do time, mas não pôde contribuir dentro de campo durante a temporada por conta de uma fratura na perna sofrida em 2018, enquanto jogava pelo União. “Eu fraturei a perna em três lugares, a tíbia, fíbula e maléolo, passei por cirurgia, fiquei seis meses parado e, daí para cá, sem jogar pelo time.”

Mas isso não o impediu de fazer os “corres”- como se diz na várzea - para ajudar o clube. Muito pelo contrário. Gustavo continuou trabalhando e, para 2019, trouxe grandes amigos para reforçar o time. Um deles é Josias Rocha Araújo, o Joba, com quem havia trabalhado em outros clubes.

Joba assumiu o comando do grupo em maio deste ano com a missão que conquistar uma vaga na Divisão Especial. À beira de campo, com um estilo “aqui é trabalho”, o técnico não deixar de cobrar de seus jogadores com uma postura dura e aguerrida. Fala palavrões quando é preciso, dá bronca se necessário, mas, ao final, sempre está de braços abertos para abraçar seus jogadores, como um pai satisfeito com o desempenho de seus filhos. “Mesmo diante das dificuldades do time, nós fazemos o possível para dar condições a eles.”

“O União é tudo na minha vida sobre o esporte. Se eu não trabalhar aqui, eu não trabalho para nenhum outro time”, Léo França.

Com 15 anos de experiência na várzea, o técnico tornou-se mais um membro da família União após sentir de perto a magnitude que é fazer parte do grupo. Ele também entrou para a história do clube como o técnico responsável pelo acesso e o título, em 2019. “Não tem preço que pague. Na vida, não há motivação maior do que vencer.”

E foi seguindo essa motivação que o meia-atacante Val Fernandes superou barreiras que fariam muitos jogadores desistirem no meio do caminho. Ao chegar, em maio, o meia sentiu que seu lugar era dentro de campo mesmo diante da lesão no joelho que o tirou dos gramados por cinco meses. 

Val liderou a equipe como capitão e a conduziu ao grande desafio da temporada: as quartas de final. Um jogo acirrado contra o Real Verão que garantiu a tão desejada vaga para a Especial após três anos de lutas. O acesso veio pelas mãos do goleiro Bio que, ao defender a primeira cobrança do time do adversário, fez explodir o sentimento de dever cumprido de todo um grupo.

O duelo seguinte, válido pela semifinal, foi contra o Jardim Caçula. O clima já era quente antes mesmo do apito inicial, por conta das provocações vindas por parte do adversário. “O time pegou isso como uma motivação para chegar aos nossos objetivos”, afirma o capitão. Resultado em campo: goleada por 4 a 0, com direito a dois gols de Val – que garantiu a artilharia com nove gols. “Sem respeito e humildade não se chega a lugar nenhum.”

Coroação

Domingo, 20 de outubro de 2019. 11 horas da manhã. O Estádio Municipal de Ribeirão Pires foi o grande palco da decisão entre E.C União e Mallokas F.C. Uma final que transcendeu questões esportivas. Uma final que refletiu toda a determinação de um grupo de amigos. Uma final que foi a coroação do trabalho e da determinação do União.

O título foi especial para todos que, de algum modo, estiveram envolvidos ao longo desses anos Para Regiane Thais Lima foi diferente, mas, do mesmo modo, inesquecível. A torcedora é considerada um símbolo do União nas arquibancadas. “Teve um jogo aí que os caras ganharam por causa de Regiane. Ela falou: ‘eu acredito, eu acredito!’, e a molecada começou a ouvir isso aí e foi pra cima”, relembra Giba.

Regiane acompanhou o time em todos os jogos até a semifinal, mas, na última partida, não pôde comparecer por conta de um curso marcado para o mesmo domingo. Ela chegou a contar os dias no calendário para que isso não ocorresse, no entanto, uma das rodadas do campeonato foi adiada por conta da chuva e, consequentemente, as datas alteradas.

Mesmo a quilômetros de distância, Regiane encontrou uma maneira de saber o que estava acontecendo em campo. Sempre que podia, ela olhava as mensagens enviadas pela cunhada com informações sobre o jogo, entre elas, a mensagem sobre o gol do título. A ausência da torcedora foi sentida pelos membros do clube, mas quando ela chegou à festa do título, foi como se o time tivesse sido campeão novamente. “A gente começou a gritar é campeão, é campeão, foi uma sensação muito boa.”

No caso de Washington Luiz dos Santos, o Sabotage, esse jogo foi pura emoção. Autor do gol do título, que só veio no final do segundo tempo, o atacante lembra que entrou em campo um pouco tomado pelo nervosismo. “A gente fica nervoso porque é um time que há muito tempo não vivia isso.” Cobrado por ter perdido algumas chances claras de gol que poderiam ter dado fim a ansiedade, o jogador deixou o nervosismo de lado e passou a acreditar em seu potencial para decidir o jogo.

O lance do gol deixou Sabotage confuso por conta de sua posição. Mesmo sem saber se seria validado, o atacante colocou para a bola no fundo das redes e tornou realidade não só o título, mas também o sonho da família União. “Eu vi o pessoal comemorar, aí a emoção tomou conta de mim e tirei a camisa”, conta. “Eu esqueci que já havia tomando o cartão amarelo, meu amigo ainda falou ‘não tira, não tira’, mas eu tirei a camisa, tomei o segundo amarelo e fui expulso.”

Após o gol de Sabotage, os minutos pareciam demorar uma eternidade. O União ainda sofreu um ataque do adversário, mas soube administrar a desvantagem até o apito que deu fim ao jogo e abriu passagem para as lágrimas de emoção dos jogadores, que caíram ao gramado esgotados por terem dado o máximo em campo e, ao mesmo tempo, aliviados por terem proporcionado ao clube mais um momento de glória.

Enquanto o grupo comemorava, Giba e Gustavo se abraçavam de uma forma única. O abraço ultrapassou a relação presidente e diretor de esporte. O abraço, na verdade, foi um ato legítimo de pai e filho.

“Aqui não vai parar nunca. Meu pai vai morrer, eu vou morrer e o meu filho vai continuar”, Gustavo Cabral.

O amor que Gustavo nutri pelo União é herança de seu pai, Giba, com quem esteve à beira do campo desde muito pequeno. Giba conta que chegou a levar o filho para o jogo ainda no colo, apesar de sua esposa não o deixar fazer isso com frequência. Mas a partir dos 5 anos de idade, Gustavo passou a seguir os passos do pai e a acompanhar o time fielmente. “Éramos eu e mais um garoto. O Léo jogando e os dois gritando, os dois únicos torcedores do União na época”, relembra Gustavo. 

A parceria entre Giba e Gustavo reflete a união que também se faz presente em todo o clube. Da diretoria à torcida, o sentimento presente é de uma verdadeira família que supera os momentos de dificuldades e comemora suas conquistas. “Essa time é a nossa segunda pele”, finaliza o presidente.

A galeria com fotos exclusivas da Grande Final pode ser conferida no Facebook e no Instragram da Folha. 

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